A mineira Gonçalves Salles, dona da marca Aviação, prepara-se para o centenário do lançamento da famosa latinha laranja de manteiga no mercado, em 2020, com planos ambiciosos. Nova loja própria, embalagem comemorativa e investimentos entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões no aumento da capacidade de produção estão previstos para as comemorações.
Os novos aportes na expansão da produção darão continuidade aos deste ano - R$ 20 milhões em recursos próprios já estão sendo aplicados para incrementar a oferta do carro-chefe da empresa familiar. A manteiga responde por 60% do faturamento, que deverá alcançar R$ 420 milhões em 2019, 12% mais que no ano passado. O restante das vendas é dividido sobretudo entre requeijão, queijos e doce de leite.
“Temos que acreditar no Brasil no ano do centenário e vamos buscar esse crescimento”, afirma Roberto Rezende Pimenta Filho, vice-presidente e bisneto do fundador - portanto, da quarta geração da família a tocar a empresa.
A fábrica da Aviação, localizada em São Sebastião do Paraíso, produz 1,2 mil toneladas de manteiga por mês e, no momento, trabalha no limite da capacidade. No segundo semestre do ano que vem, com os aportes iniciados e os previstos, sua capacidade mensal chegará a 3 mil toneladas. Há 20 anos, eram 200 toneladas.
Diferentemente do que sugerem os preços mais elevados da manteiga da empresa, Roberto afirma que a expansão das vendas da Aviação tem sido puxada por consumidores de todas as classes sociais. Segundo ele, as vendas da Aviação também subiram entre os consumidores das classes C e D, mesmo em tempos de economia doméstica fraca.
“Meu tio costumava dizer que a Aviação iniciou suas atividades na esteira da Primeira Guerra Mundial e passou pela Segunda Guerra e várias revoluções e crises. Estamos prontos para enfrentar esta e a próxima crise que vier. Não adianta viver a crise. Temos que pensar que vai melhorar, e está melhorando”, diz ele.
Assim, mesmo o projeto de uma nova unidade voltou a ser cogitado depois de quase ter sido sepultado, há cinco anos, por escassez de matéria-prima em meio a um cenário econômico instável. “Mas resolvemos dar mais um fôlego na fábrica atual para retomarmos esse projeto lá na frente”, afirma Roberto.
A base da manteiga é um único ingrediente: o creme de leite, que a Aviação adquire de 40 fornecedores (grandes laticínios e cooperativas). “Nos últimos três anos, houve um aumento de 60% no preço da matéria-prima, até por causa da maior demanda por manteiga, no Brasil e no mercado mundial em geral”, afirma o vice-presidente.
O quilo do creme de leite comprado pela Aviação, que chegou a custar R$ 15, hoje custa R$ 23, compara. “Mas não tem como escapar da alta. É a qualidade desse ingrediente e como ele é trabalhado que fazem a diferença”, diz Roberto.
Para os festejos do centenário está sendo avaliada, também, a retomada do plano de abrir lojas conceito - como a Casa da Manteiga, que funciona ao lado da sede, em São Sebastião do Paraíso. “Talvez isso aconteça, a começar por São Paulo”, afirma a responsável pela área comercial da empresa mineira, Maria Paula Resende Pimenta de Queiroz, irmã de Roberto.
Também está sendo elaborado um livro sobre a história da empresa familiar. A famosa latinha, por exemplo, surgiu por pura necessidade. “Não tinha geladeira, e tudo tinha que ser em latas e salgado”, conta Maria Paula.
A meta da Aviação é tornar-se a “empresa do café da manhã do brasileiro”, diz Roberto. E está nessa proposta a motivação para os investimentos da empresa em café, iniciado em 2014. São 600 hectares em cinco propriedades em São Sebastião do Paraíso, onde é cultivado o grão arábica. “Nossa família produz café há mais de 100 anos. Nossos clientes nos questionavam se iríamos entrar nesse ramo [torrefação e vendas no varejo], e por fim optamos por isso”, diz o empresário.
A família também exporta café verde para clientes como a illycaffè, por meio de uma exportadora própria. Paralelamente, o café Aviação de qualidade superior foi premiado pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) recentemente como o melhor do país na categoria torrado e moído entre companhias de pequeno porte.
A empresa também trabalha com café solúvel (100% arábica) e torrado e moído extra-forte. “Lançamos uma linha gourmet na Casa Santa Luzia [na capital paulista] e na nossa loja em São Sebastião do Paraíso para fazer um experimento, e agora vamos ampliar a linha”, afirma Roberto. O café, entretanto, representa somente 1% do negócio.
Uma vez que a manteiga e o café estão garantidos, a Aviação estuda como ampliar seu portfólio para conquistar a mesa dos brasileiros pela manhã. Roberto descarta o leite UHT, mas há outras possibilidades em avaliação.
Nos trilhos
Fundada em 1920 por Antonio Gonçalves, seu cunhado Oscar Salles e seu sogro Augusto Salles, a Gonçalves Salles surgiu de uma proposta inusitada. “Meu bisavô recebeu uma carta que tinha no final a pergunta: Você quer comprar um laticínio? Ele topou e a empresa virou o que é hoje”, conta Maria Paula Resende Pimenta de Queiroz, hoje responsável pela área comercial da empresa.
Batizada em homenagem ao mercado de transporte aéreo, que despontava no Brasil na década de 1920, a Aviação contava com postos de recebimento de creme de leite em Minas e São Paulo, uma fábrica de manteiga em Bebedouro (SP) e uma unidade de queijos em Conceição das Alagoas (MG). E o transporte entre esses locais era de trem.
“Na época, a gordura retirada do leite nas fazendas era enviada em latões para os laticínios por trilhos. Por isso, os laticínios eram próximos a estações de trem, para que o produto chegasse rapidamente na indústria sem perder a qualidade”.
Categoria deve movimentar R$ 2,7 bilhões este ano no Brasil
O mercado de manteiga no Brasil vem crescendo aproximadamente 7,5% desde 2014 e deve movimentar R$ 2,7 bilhões este ano, segundo dados da Euromonitor. A expectativa da empresa de pesquisa de mercado é que, em 2024, o segmento movimente R$ 4,6 bilhões, um crescimento médio de 11,5% por ano.
Segundo Valter Galan, analista do MilkPoint, as vendas no Brasil devem somar 105 mil toneladas neste ano, sendo os importados responsáveis por 6% do mercado. “O produto passou a ser visto como mais saudável por ser menos processado e ter menos ingredientes que a margarina”, diz Maria Alice Narloch, analista de comida industrializada da Euromonitor. “Em períodos de crise, os consumidores cozinham mais em casa e buscam ingredientes de maior qualidade”.
Ao assumir o laticínio mineiro Itambé, em julho - depois de dois anos de disputa com a Vigor - a francesa Lactalis se tornou líder absoluta no segmento. “A Lactalis ganha força no ponto de venda ao concentrar marcas, o que poderá resultar em preços mais competitivos”, argumenta Maria Alice.
Segundo a empresa de pesquisa, a marca Itambé tem 19,4% do mercado de manteiga brasileiro, enquanto Batavo e Elegê têm 7% e 2,1% do mercado, respectivamente, ocupando a quarta e a quinta colocação entre as cinco maiores. Somadas as participações, a francesa Lactalis tem quase 29% do mercado. A Gonçalves Salles, com a marca Aviação, é segunda maior, com 11% de participação.
Segundo Guilherme Portella, diretor de relações institucionais da Lactalis do Brasil, a produção de manteiga representa 6% do faturamento da empresa francesa, excluindo a Itambé. Ele explica que a liderança no segmento não era o foco principal do interesse na mineira, embora tenha vindo em um momento em que a demanda pelo produto está aquecida.
Conforme Portella, enquanto marcas como Batavo e Elegê têm preços populares, a manteiga da marca La Motte, feita com sal marinho defumado e importada da França, chega a custar o dobro das demais. No meio do caminho está a Président, marca que a Lactalis passou a produzir no Brasil em fevereiro do ano passado, na fábrica de Teutônia (RS). “O preço na gôndola é menor do que o de produtos de categorias inferiores”, diz Portella. “A intenção é estimular o consumo e a capilaridade da marca”.
Nos últimos anos, o segmento de manteiga passou por um período de desestímulo devido ao aumento nos preços da matéria-prima. Segundo dados da consultoria MilkPoint, de setembro de 2017 a fevereiro de 2019, os preços do creme de leite cresceram quase 32%. Neste ano, porém, o creme a granel, que chegou a custar R$ 27,70 por quilo em fevereiro, recuou para R$ 18,40 por quilo em outubro, resultado do aumento da oferta.
Já a manteiga voltou a se valorizar no varejo brasileiro. A média do tablete de 200 gramas em outubro foi de R$ 5,20, alta de 3,5% ante setembro, segundo a consultoria.
As informações são do jornal Valor Econômico.
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