O setor lácteo global tem atravessado momento de grande transformação, com crescimento de oferta diferente entre as regiões do planeta.
Além disso, cada país tem políticas públicas distintas, buscado trabalhar demandas e desafios específicos à sua realidade, seja na área ambiental, conforto animal, produtividade, sólidos entre outros temas. O ritmo de crescimento da produção diminuiu ao longo das duas últimas décadas. Entre 2000 e 2010 a produção global de leite de vaca cresceu 23%. Já na década seguinte, de 2010 a 2020, essa expansão foi de 19%. A Ásia foi o continente com maior avanço na produção de leite entre 2010 e 2020, tanto em termos relativos como absolutos (Figura 1). Também foi o único continente com crescimento relativo superior à média mundial.
A Ásia já alcançou a Europa em termos de participação na produção global de leite, ambos com 31% de representação (Tabela 1), sendo o único continente que aumentou sua participação relativa na produção mundial, contra o decréscimo dos demais.
Na última década, a produção global de leite cresceu 116,7 milhões de toneladas, sendo que a Ásia registrou uma elevação de 61,1 milhões de toneladas ou 52% do volume total.
Neste continente, a Índia vem mostrando forte expansão na produção de leite, com estruturação de programas de melhoramento animal, importação de genética da raça Gir e investimentos em qualidade do leite. Neste período a produtividade das vacas, apesar de ainda estar em patamar muito baixo, cresceu 32,6% em 10 anos.
A demanda asiática por leite tende a seguir forte, na esteira de uma melhoria na distribuição de renda, mudança e ocidentalização de hábito alimentar, forte urbanização e de uma população numerosa com consumo relativamente baixo. Portanto, apesar dos aumentos em produção, o continente tende a seguir como grande importador de leite e derivados lácteos. No caso da Europa, tradicionalmente o maior produtor global de leite e um grande exportador, o desempenho relativo da produção foi mais fraco na década. Em termos absolutos, no entanto, o crescimento europeu foi de 21,1 milhões de toneladas, o que equivale a quase um Brasil em leite inspecionado.
Fortes pressões ambientais e sistemas de produção de maior custo tem dificultado o crescimento da oferta de leite. Além disso, é um continente onde o rebanho leiteiro vem sendo reduzido, inibindo a expansão da produção. Diversos produtores tem saído da atividade em função da exigência de investimentos para adequação às restrições ambientais e de bem-estar animal.
A atual Comissão Europeia fez o lançamento do European Green Deal em que se encaixa a estratégia Farm-to-fork (da fazenda ao garfo) que traz metas e ações em termos de redução no uso de pesticidas químicos, fertilizantes e destinação de 25% da área cultivável na U.E. para a produção de orgânicos. Enfim, são enormes os desafios europeus para seguir com expansão na produção de leite. Na Oceania, a produção vem registrando queda desde 2016, com um fraco desempenho da Austrália, impactada negativamente por questões climáticas, e da Nova Zelândia, cuja produção segue relativamente estagnada. Como um grande exportador, a Oceania tende a encontrar mais dificuldades para expandir sua oferta de leite no mercado mundial nos próximos anos. Isso porque boa parte do crescimento da produção do continente foi sustentado por ganhos de produtividade da Nova Zelândia, mas que em função de seu sistema de produção a base de pasto e dificuldade para suplementar de forma economicamente competitiva, cria um grande desafio para o futuro. A América do Norte registrou expansão da produção ligeiramente abaixo da média mundial, mas tanto Canadá como Estados Unidos e México aumentaram a oferta de leite. Neste caso, o número de vacas pouco se alterou, mas a produtividade média apresentou evolução importante (Figura 2).
Vale ressaltar que os programas de melhoramento genéticos são bastante consolidados no continente e que a média de produção por vaca é a maior do mundo, com quase 11 mil litros por vaca em um ano.
O crescimento relativo da produtividade norte-americana não foi dos maiores, mas o ganho absoluto foi robusto, apesar do já elevado nível de produtividade. Isso mostra que os ganhos de produtividade e de produção tendem a seguir expandido no continente, gerando inclusive maior excedente de exportação.
Na América do Sul, o avanço da produção foi de apenas 10,5% na década. Um dos motivos para este baixo crescimento foi a redução do rebanho, na busca por melhorias na eficiência. O Brasil contribuiu muito para esta queda no número de vacas. Por outro lado, a produtividade das vacas registrou elevação importante, com o maior ganho relativo entre os continentes na última década. Os diversos países registraram ganhos importantes em produtividade, mas os desafios seguem elevados.
No caso de Brasil e Argentina, os principais produtores da região, a competição com lavouras tem pressionado os produtores e induzido a um processo mais acelerado de consolidação no campo, com aumento de escala, de produtividade e também de saída de produtores, sobretudo no Brasil. Finalmente, nas demais regiões (África e América Central), a participação na oferta global ainda é baixa, sendo países com forte demanda de importação. Além disso, o padrão tecnológico, especialmente na África ainda é muito baixo, devido à baixa produtividade animal, manejo alimentar, reprodutivo e sanitário ruins, ocasionando uma evolução muito lenta. Portanto, quando se analisa a evolução da produção de leite, observa-se uma desaceleração na trajetória de crescimento ao longo das duas últimas décadas. Além disso, regulações ambientais e de bem estar-animal vêm ganhando espaço na pauta em diversos países, exigindo práticas mais sustentáveis nas cadeias agroalimentares, mas que requerem aperfeiçoamento técnico e econômico.
Expandir a produção e atender a crescente demanda global por alimentos, aliada a uma agenda que incorpora os conceitos ESG (ambiental, social e governança) será um grande desafio para as cadeias produtivas.
Autores
Glauco Carvalho Iris Barquette Jonas Nogueira
Embrapa Gado do Leite
Comments