A produção de alimentos exige um severo rigor ao longo da cadeia de produção. As DTA's (doenças transmitidas por alimentos) são causadas pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados, na maioria das vezes, por bactérias, fungos, vírus, toxinas e outros parasitas que podem colocar em risco a saúde do consumidor.
Neste contexto, o leite e seus derivados são suscetíveis ao crescimento de microrganismos, o que pode levar a ocorrência de surtos de intoxicações e/ou infecções alimentares. Dentre os diversos derivados lácteos, os queijos são produtos altamente manipulados e estão sujeitos a contaminação cruzada de diferentes fontes.
Estas condições podem ser agravadas, quando processados com leite cru e, principalmente, sem o emprego das Boas Práticas de Fabricação. Neste contexto, os produtores de queijos artesanais devem elaborar seus produtos utilizando técnicas de processamento que assegurem sua qualidade, ou seja, seguindo os critérios estabelecidos pelas legislações vigentes.
De acordo com a Lei n.º 13.860, de 18 de julho de 2019, o queijo artesanal é definido como “aquele elaborado por métodos tradicionais, com vinculação e valorização territorial, regional ou cultural, conforme protocolo de elaboração específico estabelecido para cada tipo e variedade, e com emprego de boas práticas agropecuárias e de fabricação” (BRASIL, 2019).
Essas ações devem ser garantidas em todas as etapas da elaboração do produto (Figura 1), desde o gerenciamento da matéria-prima, limpeza das instalações, processamento até o armazenamento, transporte e distribuição (SEBRAE, 2020).
O que são Boas Práticas de Fabricação?
As BPF são práticas de higiene que devem ser adotadas desde a escolha e compra da matéria-prima até a venda do produto para o consumidor. O objetivo dessas práticas é evitar a contaminação dos alimentos e a ocorrência de doenças provocadas por microrganismos patogênicos (ANVISA, 2004).
No Brasil, a legislação dispõe de Regulamento Técnico sobre as condições higiênico-sanitárias e de boas práticas de fabricação para estabelecimentos elaboradores/industrializadores de alimentos por meio da Portaria n° 368, de 4 de setembro de 1997, além de Regulamento técnico de boas práticas de fabricação para serviços de alimentação, na RDC n° 216, de 15 de setembro de 2004 (BRASIL, 1997; BRASIL 2004). Outras legislações podem ser consultados no portal da ANVISA.
Dentre várias exigências e recomendações, pode-se destacar que a instalação onde o alimento será manipulado deverá dispor de abastecimento de água potável e sua estrutura deve garantir que as operações aconteçam em condições ideais de higiene, desde a chegada da matéria-prima até a obtenção do produto final.
Todos os manipuladores deverão receber instrução adequada e contínua sobre o manuseio seguro dos alimentos e higiene pessoal. As operações do processo de produção deverão realizar-se em menor tempo possível e em condições que excluam toda a possibilidade de contaminação, deterioração ou proliferação de microrganismos patogênicos (BRASIL, 1997).
Uma dica para facilitar a execução das BPF é a elaboração de POP's (Procedimentos Operacionais Padronizados), que são documentos que descrevem o trabalho executado no estabelecimento e a forma correta de fazê-lo, sendo um passo a passo sobre a limpeza do local, procedimentos de higiene, controle de vetores e pragas, preparo dos alimentos de forma segura, descarte do lixo, dentre outras tarefas, bem como os responsáveis por fazê-las, os materiais necessários e a frequência em que devem ser realizadas (ANVISA, 2004).
Importância das BPF's na qualidade dos queijos artesanais
Na produção de alimentos, um dos principais aspectos que deve ser considerado, visando a segurança alimentar e nutricional dos consumidores, é a implementação de Boas Práticas de Fabricação (BPF). Além disso, a qualidade do queijo é garantida por meio dessas práticas e de condições salubres dos manipuladores.
A Figura 2 apresenta pontos chaves na produção de queijos artesanais, onde as BPF's devem ser adotadas para elaboração de produtos de qualidade. Dentre os principais pontos destacam-se os cuidados com (i) a saúde do animal, (ii) obtenção e tratamento da água, (iii) higiene da sala de ordenha e (iv) a queijaria.
Durante a produção, o trabalhador da queijaria deve estar adequadamente vestido, com uniforme, botas, luvas, touca e máscara de proteção. No armazenamento, as peças devem ser acondicionadas em local seco, bem higienizado e climatizado de forma ideal para cada tipo de queijo. Ao serem transportados, os queijos devem estar devidamente embalados e serem acondicionados em recipientes limpos, em veículo fechado, sem a presença de outros produtos (SEBRAE, 2020).
A ausência das BPF's ou ações executadas incorretamente durante a produção dos queijos artesanais podem contribuir com a contaminação por microrganismos patogênicos, como, por exemplo, Staphylococcus aureus, Samonella e Eschericiha coli. A presença destes microrganismos pode comprometer a saúde do consumidor e a qualidade do produto.
Dentre os principais defeitos verificados em queijos artesanais estão: (i) estufamento precoce, em que o interior do queijo apresenta rachaduras e olhaduras pequenas e uniformes logo nas primeiras horas ou dias de fabricação (esse defeito é comumente causado por coliformes); (ii) estufamento tardio, no qual o interior do queijo apresenta grandes fissuras e rachaduras irregulares, geralmente após a primeira semana de maturação (causado principalmente por Clostridium sp.) e (iii) alteração da cor e aroma, onde o queijo pode apresentar sabor pútrido e coloração indesejada, pode ser causado por diversos microrganismos, como os coliformes e Clostridium tyrobutiricum (CAMPOS; PINTO, 2018).
Dessa forma, a adoção das boas práticas de fabricação é fundamental para evitar que queijos artesanais sejam veículos de microrganismos indesejáveis e produtores de toxinas, isto é, produtos inócuos a saúde do consumidor. Portanto, quanto maior for o cuidado com a higiene, menor a contaminação microbiana e melhor a qualidade do produto final. Isso é refletido diretamente no maior tempo de vida útil do produto e em características sensoriais mais atrativas ao paladar do consumidor.
Agradecimentos: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pelo financiamento do projeto (n° 429033/2018-4); e pela bolsa de produtividade a B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Autores
Alécia Daila Barros Guimarães (Engenheira de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Isabela Soares Magalhães (Nutricionista e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
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