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Bebida à base de kefir para aproveitamento do soro de leite


A maior preocupação com o bem-estar tem levado as pessoas a buscarem cada vez mais os alimentos que agregam propriedades bioativas ao organismo, além da função básica de nutrir. Devido ao processo de fabricação relativamente simples e aos benefícios para a saúde humana, nos últimos anos observa-se um aumento crescente de lançamentos na linha de kefir.


Kefir é uma bebida tradicionalmente elaborada pela fermentação de grãos gelatinosos contendo diversos microrganismos probióticos e leveduras que crescem em simbiose durante o processo. No mercado brasileiro encontram-se disponíveis diversas culturas láticas de uso industrial contendo os microrganismos presentes no kefir, o que facilita a padronização dos produtos e favorece o aumento de lançamentos nessa linha, como bebidas lácteas diversificadas.


Nos dias atuais, diferentes tipos de soro oriundos da indústria de laticínios, principalmente os desproteinados e o ácido, ainda são descartados na estação de tratamento de efluentes ou no corpo receptor de água devido à maior dificuldade de aproveitamento, seja pela suas características físico-químicas ou por apresentarem baixo teor proteico.


Diversas indústrias não têm interesse em utilizá-los por acreditarem que não possuem valor agregado ou por negligenciarem seu potencial tecnológico e nutricional. Entretanto, estes soros apresentam diversos nutrientes importantes, podendo gerar produtos de elevada qualidade.


Este artigo busca incentivar a utilização sustentável de diferentes tipos de soro gerados pela indústria de laticínios (permeado de ultrafiltração, soro de ricota e soro ácido), propondo uma tecnologia de fabricação de bebida à base de kefir.

História do Kefir

A palavra kefir é derivada da palavra, em turco, “keif”, a qual pode ser traduzida como “sentir-se bem”, sensação experimentada após o consumo (LOPITZ-OTSOA et. al., 2006). Sua origem remonta nas montanhas dos Cáucasos, entre a Europa Oriental e a Ásia Ocidental. Os grãos de kefir, historicamente, foram considerados um presente de Alá entre o povo muçulmano do norte das montanhas (GARROTE et. al., 1997; LOPITZ-OTSOA et. al., 2006).


Por tradição, os caucasianos preparavam o kefir pela fermentação do leite em sacos feitos do couro cru (ou estômago) de animais. O leite fresco era adicionado ao leite fermentado e, após um tempo, ocorria um acúmulo de camadas de microrganismos embebidos em um material com proteínas e polissacarídeos e, eventualmente, a formação dos grãos (REA et. al., 1996).


A produção artesanal do kefir baseada na tradição dos povos do Cáucaso espalhou-se para outras partes do mundo a partir do final do século XIX, e hoje integra suas indicações nutricionais e terapêuticas às escolhas alimentares cotidianas de várias populações.


O número de microrganismos presentes e suas interações, os possíveis compostos bioativos resultantes do metabolismo microbiano e os benefícios associados ao uso desta bebida conferem ao kefir o status de um probiótico natural, designado como o iogurte do século XXI.


Por exemplo, o kefir e seus constituintes têm atividade antimicrobiana, antitumoral, anticarcinogênica e imunomoduladora, além de melhorarem a digestão da lactose, dentre outras propriedades bioativas (LEITE, 2013).

Características do kefir

O kefir é um leite fermentado viscoso, refrescante, gaseificado e com gosto levemente ácido (FARNWORTH, 2005), distinguindo-se dos demais por resultar da fermentação do leite pela ação de uma mistura complexa de microrganismos confinados em uma matriz de polissacarídeos e por conter gás carbônico e etanol (GARROTE et. al., 1997; LOPITZ-OTSOA et. al., 2006).


A FAO/WHO (2003) propôs uma definição do kefir baseada na composição dos grãos e do produto final, sendo: “um leite fermentado produzido pela inoculação de grãos de kefir ou cultura starter, compostos por Lactobacillus kefir, espécies dos gêneros Leuconostoc, Lactococcus e Acetobacter, além de leveduras lactose-positiva e/ou lactose-negativa que crescem em sinergismo”.


Já a legislação brasileira vigente define kefir como “o produto resultante da fermentação do leite pasteurizado ou esterilizado, por cultivos ácido láticos elaborados com grãos de kefir, Lactobacillus kefir, espécies dos gêneros Leuconostoc, Lactococcus e Acetobacter com produção de ácido lático, etanol e dióxido de carbono"


Os grãos de kefir são ainda constituídos por leveduras fermentadoras de lactose (K. marxianus) e leveduras não fermentadoras de lactose (S. onisporus, S. cerevisiae e S. exiguus), Lactobacillus casei, Bifidobaterium spp. e Streptococcus salivarius ssp. thermophilus”. (BRASIL, 2007).

Características do soro de leite

O soro de leite é um importante coproduto da fabricação de queijos, ou outros processos de separação variando suas características de acordo com a qualidade do leite e tipo de processamento (MARSHALL, 2004; SMITHERS, 2008).


Apresenta uma cor amarela esverdeada, podendo ser obtido a partir de qualquer tipo de leite, sendo o de vaca o mais popular nos países ocidentais. Entretanto, o leite de cabra, de ovelha e até mesmo o de camelo também são usados na fabricação de produtos lácteos que resultam na geração de soro (SMITHERS, 2008).


Segundo Paula (2005), os tipos básicos de soro fluido são: o soro doce, que é obtido da fabricação de queijos de coagulação enzimática (coalho), tipo cheddar, suíço, mussarela, prato e similares; o soro ácido, que provém da coagulação por adição direta de ácido, como na obtenção de alguns tipos de massa para a fabricação de requeijão e caseína, ou por fermentação do leite durante fabricação de queijos como Cream Cheese, Petit Suisse, Cottage e Quark; e o soro desproteinado, obtido a partir da coagulação das proteínas a uma temperatura de 90 ºC na fabricação de ricota e o permeado, obtido através da tecnologia de separação por membranas.


O soro representa 85% a 90% do volume original do leite utilizado na fabricação de queijo. Mais da metade dos sólidos presentes no leite são constituintes do soro (GONZÁLEZ SISO, 1996; ATRA et al., 2005).

Além da lactose e de suas proteínas com alto valor biológico, o soro também possui importantes minerais (como o cálcio, magnésio e fósforo) e é rico em vitaminas hidrossolúveis, principalmente do complexo B. A composição média do soro do leite de vaca, seus principais minerais e vitaminas são apresentados.


Nos soros desproteinados e soro ácido, componentes como a lactose, sais minerais e vitaminas estão presentes em quantidades significativas e, consequentemente, apresentam elevada densidade nutricional e potencial tecnológico.


O soro permeado de ultrafiltração possui em sua composição uma solução diluída de lactose, nitrogênio não proteico, vitaminas e minerais importantes como cálcio, fósforo, potássio e sódio.


O soro resultante da fabricação de ricota é composto por aproximadamente 0,15-0,22% de proteínas, 4,8-5,0% de lactose, 1,0-1,3% de sais minerais e 0,20-0,25% de ácidos orgânicos (SANSONETTI et al., 2009). Em uma quantidade razoável de casos, o soro proveniente da fabricação de queijos é utilizado para a fabricação da ricota, o que extrai a maioria das suas proteínas.

Entretanto, a lactose (sólido mais abundante no soro) permanece, restando consequentemente, a maior parte responsável pelo poder poluente deste soro (RAMOS, 2010).


Já o soro ácido é obtido pela coagulação por acidificação direta, na obtenção de alguns tipos de massa para a fabricação de requeijão e caseína, ou por fermentação do leite durante fabricação de queijos como Cream Cheese, Petit Suisse e Cottage (PAULA, 2005).


Quanto à concentração de proteínas, o soro ácido é semelhante ao soro doce, sendo este obtido a partir da coagulação enzimática do leite. Mas com relação à lactose e sais minerais (principalmente cálcio e fósforo), o soro ácido apresenta teores menor e maior do que no soro doce, respectivamente (MIZUBUTI, 1994).


Aproveitamento de diferentes tipos de soro para a produção de bebida à base de kefir

No Brasil, o soro de leite ainda representa um problema tanto para as indústrias de laticínios, devido ao volume produzido, quanto para a sociedade, se for descartado de forma inadequada. Atualmente, é cada vez maior a utilização de tecnologias geradoras de soro desproteinado (processos de separação por membranas e produção de ricota).


Porém, o aproveitamento adequado desses tipos de soro, além do soro ácido, ainda é muito restrito devido ao conhecimento tecnológico insipiente, logo, acabam na maioria das vezes sendo descartados inadequadamente.


Por meio do conhecimento da composição de cada tipo de soro e da respectiva tecnologia de aplicação, avalia-se a viabilidade do aproveitamento sustentável dessa valiosa matéria-prima. Produtos obtidos a partir destes tipos de soro podem tornar-se altamente competitivos e nutritivos, incentivando o consumo de lácteos; melhorando a nutrição das pessoas; gerando aumento de receita e da competitividade produtiva das indústrias; além de reduzir problemas ambientais causados pelo descarte inapropriado de efluentes.


A elaboração de bebidas à base de kefir com aproveitamento do soro de leite constitui uma linha de pesquisa do Programa Estadual de Pesquisa em Leite e Derivados da EPAMIG - Instituto de Laticínios Cândido Tostes, em Juiz de Fora - MG.


Após vários projetos nesta temática, sugerimos um fluxograma básico possível de ser implementado na elaboração de bebida à base de kefir com aproveitamento de soro de leite desproteinado ou soro ácido.


Considerações finais

O kefir já faz parte da dieta humana em diversas partes do mundo há muitos anos. Devido aos benefícios para a saúde relacionados com suas propriedades terapêuticas e nutricionais, as bebidas à base de kefir vem ganhando cada vez mais notoriedade, tornando-se um dos lácteos fermentados mais conhecidos.

Assim, o uso do soro oriundo de diversas tecnologias, particularmente os soros desproteinados e o soro ácido, é perfeitamente viável para a produção de bebidas à base de kefir, possibilitando ainda a agregação de valor ao produto ao adicionar à fabricação etapas como a delactosagem e/ou a carbonatação.


Referências

ATRA, R. et al. Investigation of ultra-and nanofiltration for utilization of whey protein and lactose. Journal of food engineering, London, v.67, n.3, p.325-332, 2005.

BOCCIA, J. N. Aproveitamento de diferentes tipos de soro de leite na elaboração de bebidas lácteas acidificadas carbonatadas. 68p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado Profissional em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora – MG, 2018.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa n.46, 23 de Outubro de 2007. Aprova o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leites Fermentados. Diário Oficial, Brasília, 24 Outubro 2007, seção 1, p. 5.

FAO/WHO (Food and Agriculture Organization/World Health Oraganization). Working Group Report on Drafting Guidelines for the Evaluation of Probiotics in Food. Londres, Ontário, Canadá: FAO/WHO, 2002. 11p.

FARNWORTH, E. R. Kefir – a complex probiotic. Food Science e Technology Bulletin: Functional Foods, v. 2, p. 1-17, 2005.

FOX, P. F. Advanced Dairy Chemistry. Ed. Chapman & Hall. v.3, 519 p.1997.

GARROTE, G. L.; ABRAHAM, A. G.; ANTONI, G. L. D. Preservation of kefir grains, comparative study. Lebensm. - Wiss. u.-Technology, v. 30, p. 77-84, 1997.

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LOPITZ-OTSOA, F.; REMENTERIA, A.; ELGUEZABAL, N.; GARAIZAR, J. Kefir: a symbiotic yeasts-bacteria community with alleged healthy capabilities. Revista Iberoamericana de Micologia, v. 23, p. 67-74, 2006.

MARSHALL, K. Therapeutic applications of whey protein. Alternative Medicine, Buffalo, v.9, n.2, p.136-156, 2004.

MIZUBUTI, I. Y. Soro de Leite: Composição, Processamento e Utilização na Alimentação. Universidade Estadual de Londrina, Londrina. Semina: Ciências Agrárias, v.15, n.1, p.80-94, 1994.

PAULA, J. C. J. Elaboração e estabilidade de bebida carbonatada aromatizada à base de soro de leite. 2005. 70 p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2005.

RAMOS, T. M. Produção de xarope de lactulose a partir do soro de ricota e seu emprego em iogurte e queijo Quark. 2010. 99 p. Dissertação de Mestrado em Ciência dos Alimentos, Universidade Federal de Lavras, 2010.

REA, M. C.; LENNARTSSON, T.; DILLON, P.; DRINAN, F. D.; REVILLE, W. J.; HEAPES, M.; COGAN, T. M. Irish kefir-like grains: their structure, microbial composition and fermentation kinetics. Journal of Applied Bacteriology, v. 81, p. 83-94, 1996.

SANSONETTI, S.; CURCIO, S.; CALABRO, V.; IORIO, G. Bio-ethanol production by fermentation of ricotta cheese whey as an effective alternative non-vegetable source. Biomass & Bioenergy. Oxford, v.33, n.12, p.1687-1692, 2009.

SMITHERS, G. W. Whey and whey proteins – from ‘gutter-to-gold’. International Dairy Journal, Alberta, v.18, n.7, p.695-704, 2008.

WALSTRA, P., WOUTERS, J. T. M., & GEURTS, T. J. (2006). Dairy Science and Technology. 2. ed. Taylor & Francis Group, Inc. Broken Sound Parkway, New York. 763 p.

*Fonte da foto do artigo: Freepik


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